Sábado, Janeiro 20

Sábado, Janeiro 20

Imprescindível

O Sim Esclarecido, um verdadeiro serviço ao público da responsabilidade de Gisela Nunes.

Quando César se põe a pensar

João César das Neves falou e disse: se a interrupção da gravidez até à décima semana for despenalizada, no caso do "Sim" vencer, abortar vai ser tão normal como usar um telemóvel. Como o uso do telemóvel também não é punível, os dois factos serão equiparados!

Esta comparação faz lembrar a de um aluno de zoologia que foi interrogado sobre as moscas. Apanhado em falso, foi dizendo que elas são parecidas com os elefantes e iniciou logo uma dissertação acerca dos paquidermes.

Tudo é claro como a água no espírito simples de César das Neves. E quando lhe perguntaram como chegou a estas conclusões, respondeu: "pensando". Não é extraordinário que esta insensatez tenha sido premeditada?

Com os nossos impostos, não!

No julgamento da Maia (ao contrário do que tem dito a campanha do "não", nos casos em que foi possível apurar o tempo de gestação as mulheres que foram julgadas tinham menos de 10 semanas de gravidez quando abortaram) foram arguídas seis desempregadas, duas operárias, uma cozinheira, uma costureira, uma cabeleireira, uma recepcionista e três empregadas do comércio. Estas são as vítimas desta lei. E as vitimas da clandestinidade e de quem lucra com ela. O cofre que foi encontrado na "clínica" clandestina mostra o que os «nossos impostos» não podem pagar:

Carla, 26 anos, deixou 2 fios, 4 pulseiras de criança e um anel;
Carminda, 31 anos, três filhos, separada e desempregada, tinha de pagar 92 contos, pagou 45, uma medalha de ouro e ficou a dever o resto;
Rita, 36 anos, operária, deixou ficar o anel de noivado e dois cheques;
Teresa, 27 anos, cozinheira, com um relacionamento esporádico, pagou 40 contos, um fio, três anéis, uma aliança e um par de brincos;
Piedade, 34 anos, empregada de balcão, deixou cinquenta contos e dois anéis;
Maria João, 38 anos, cabeleireira, dois filhos, sem relação estável, deixou 70 contos e uma pulseira;
Maria Manuela, 35 anos, recepcionista, deixou 15 contos e um cordão de ouro;
Sandra, 18 anos, pediram cem contos, deixou quarenta, um fio de ouro, um anel, uma pulseira e ficou a dever trinta contos;
Paula, 19 anos, desempregada, seis semanas de gravidez, 45 contos e uma pulseira.

No cofre havia 26 fios, 13 pulseiras, cinco libras, 19 anéis, um cordão, duas alianças, quatro pares de brincos, três relógios e três alfinetes de ouro.

Nomes fictícios.

Paula Teixeira da Cruz

«Entendo que a única questão que está em causa neste referendo é saber se a resposta que a sociedade tem para dar a uma mulher que pratica aborto é a prisão. E é o único momento, devo dizer, em que não tenho nenhum tipo de dúvida: não, não é!»
«Fala-se na liberalização do aborto mas liberalizado está ele agora porque não há regras, há um mercado clandestino e paralelo. Portanto, há razões filosóficas, razões de filosofia penal, sociais, e entendo ainda que há razões de profundíssimo respeito por quem se vê numa situação dessas. Essas mulheres merecem-me muito respeito.»
«O objectivo muito bem sintetizado numa frase de Bill Clinton: "Vamos torná--lo legal, mas raro e seguro."»
«Nós não estamos a discutir nem a vida nem a morte. Recuso-me a discutir o problema nesses termos. O que está em causa é saber se uma mulher que comete aborto deve ser punida com pena de prisão».

Um "não" moderado

Gentil Martins não quer que a mulher seja condenada quando faz um aborto. Quer que seja condenada quando faz dois .

kero + 1 aborto

César das Neves diz que vai haver mais abortos. Será tão banal como um telemóvel». Não fosse o assunto sério e a frase demonstrar um preocupante autismo social, diria que já falta César das Neves nesta campanha.

Fica a informação para César das Neves: na Alemanha, de cerca de 180 mil interrupções de gravidez registadas em 1980, evolui-se para um número de menos de 130 mil em 2004. Na Dinamarca, de cerca de 23 mil, em 1981, passou-se para um número de cerca de 15 mil, em 2003. Em Itália, de quase 234 mil, em 1983, decresceu-se para 134 mil, em 2002. Em todos estes países o aborto é legal.

Um vão de escada perto de si

Diz-se que já não há abortos de vão de escada. Há o Cytotec, usado como método abortivo e sem acompanhamento médico. Com enormes riscos para a mulher.

Os que vierem, quando vierem, se vierem

É difícil não reparar que os mesmos que querem impedir a despenalização do aborto são os que se opõem ao acesso fácil a métodos contraceptivos e que se opuseram a uma lei para facilitar a reprodução medicamente assistida. A questão, para os mais activos desta causa, mais do que qualquer outra, é recusarem a ideia de que a mulher (e o homem) tem de ser um elementos activo na decisão de ter um filho.

As companhias

A Helena Matos avisou quanto ao argumento das "más companhias". Eu, que sempre me identifiquei com a direita liberal, estou, ao que parece, do "lado errado" da barricada. Porquê? Porque militantes do BE, do PCP e de PS advogam o "Sim". Não quero dignificar o delírio. Mas, do lado do "Não"...

A despenalização do aborto, tal como é vista por alguns apoiantes do "Não".

Eis o Miguel Ângelo, um feto mimoso de escassas semanas que dorme um soninho inocente no doce aconchego do colo maternal. Ainda faltam sete meses para ver a luz do dia e o seu coração já bate, trémulo de antecipação.

Mas não nos deixemos iludir pela ternurenta beatitude do nosso pequeno herói: se tivesse nervos, leitores, este bebé estaria em pânico!

A mamã, que é libertina, concebeu-o fora do matrimónio; e agora, em vez de renegar a droga e a luxúria, apenas sonha em escapulir-se ao sagrado chamamento da perfilhação.

O destino hediondo deste anjinho indefeso está traçado: um açougueiro cruel, traindo o juramento de Hipócrates, irá espostejá-lo com gáudio, numa clínica pública, perante o retrato sorridente do nosso primeiro-ministro José Sócrates.

A sua minúscula alma vai entrar no céu sem baptismo; o seu magro corpinho, do tamanho de uma lesma, servirá de pasto aos pardais. Imune aos piedosos avisos do senhor cónego de Castelo de Vide, a mãe encolherá os ombros perante a terrível ameaça da excomunhão.

É um mundo ao contrário, amigos, e é contra ele que nos movemos. Vamos lutar pelo Miguel Ângelo — um menino bom e gentil, que tem o direito à vida, à felicidade e ao amor. Ainda que venha a ser ateu. Mesmo que seja, Deus nos perdoe, homossexual.

Adivinhem que chegou?

Já chegaram o tom mais as companhias. Os representantes da causa do tom avisam-nos que podemos ter muita razão mas há que ter cuidado com o tom. O tom é tudo. Digamos que o tom é uma espécie de mestre-de-cerimónias das polémicas que não se querem polémicas. Quanto aos exorcistas das más companhias eles concedem que a culpa é sempre das companhias. Vocês até são ajuizados mas não têm cuidado com as companhias. E assim, de braço dado, o movimento do tom e o movimento das companhias vão fazendo de conta que o assunto não é com eles.

Helena Matos

Resposta a Bettencourt

Tirando os casos de violação, de partogénese [partenogénese], do arcanjo São Gabriel mandatário do Pai ou envolvendo retretes do metropolitano, é geralmente muito difícil, diria mesmo, muito raro, uma mulher chegar a engravidar sem, pelo menos, um aconchego voluntário, um mimo, uma leitura a dois de Hayek, sei lá. Certo? Jacinto Bettencourt., sugestão de correcção ortográfica minha.

A acreditar na infalibilidade dos métodos anticoncepcionais e nas virtudes de um sistema público de ensino que ponha raparigas de 15 anos a ler Hayek (pode ser traduzido?), sim, certo.

Os sins do Não

Num não há sempre um sim escondido. Quando negamos qualquer coisa, afirmamos ao mesmo tempo outra que se encontra escondida, por vezes a custo, atrás dessa negação. Partindo deste princípio, quem votar "não" no próximo dia 11 de Fevereiro estará na realidade a responder "sim" às seguintes perguntas:

Concorda com a prisão da mulher, até três anos, depois de ela já ter passado pela violência física e psíquica de um aborto clandestino?

Concorda com que continuem a existir por ano, em Portugal, 18 mil abortos clandestinos e centenas de mulheres com graves complicações pós-abortivas?

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde espanhol legalmente autorizado?


Contributo de André Belo