Quarta-feira, Fevereiro 7

Quarta-feira, Fevereiro 7

Ventos do Norte

Parlamentares, senadores, euro-deputados da Bélgica, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Letónia, Lituânia, Reino Unido, Suécia e Parlamento Europeu, num total de mais 160 dos vários partidos políticos, manifestaram o seu apoio ao "Sim". Como o tom e o teor das missivas se aproxima da monotonia esperada e por não querer ferir os nacionalistas mais susceptíveis, optei por seleccionar apenas o material com informação relevante. Assumo a responsabilidade por uma eventual troca de bandeiras, que a ter acontecido não foi intencional. A propósito, acredito que os lapsos sobre números de abortos pré- e pós-legalização que vou lendo por aí são também inocentes.

"Em 1973 com mandato popular, o parlamento dinamarquês votou que o aborto deveria ser legal até às 12 semanas de gravidez. Desde então o número de aborto na Dinamarca desceu para mais de metade . A base desta redução no número de abortos foi a legalização do aborto combinado com esforços ao nível da prevenção e educação sexual. Hoje, 95% da população bem como todos os partidos políticos com assento no parlamento apoiam o aborto legal , nos termos da lei." Dinamarca

"Em 1970 o Parlamento finlandês decidiu que o aborto devia ser legal até às 12 semanas. Desde o inicio dos anos 70 que o número de abortos diminuiu para mais de metade . Hoje o aborto legal e seguro é largamente apoiado quer pela população quer pelos parlamentares. Apesar do aborto ser encarado como um assunto sério ética e emocionalmente ao nível individual, a maioria da população é da opinião que a mulher tem o direito e a possibilidade de escolher um aborto legal e seguro, no caso de não poder e querer prosseguir uma gravidez não desejada". Finlândia

" Em 1975 o Parlamento Sueco deu às mulheres o direito de escolherem interromper uma gravidez até às 18 semanas . Esta decisão baseou-se no facto das mulheres suecas enfrentarem graves problemas de saúde e estigmatização em resultado de abortos inseguros ou serem obrigadas a prosseguir uma gravidez não desejada. A mudança na legislação foi acompanhada de um programa efectivo e de longa duração de educação sexual, acompanhado por questões de planeamento familiar e questões de género. O resultado foi um declínio da taxa de abortos para mais de metade em 10 anos. " Suécia

A excepção ponderada

Faltam dois dias. Para esclarecer os indecisos antes da reflexão. Por isso, apesar de ser já uma repetição a referência, vale a pena ler o Tiago Mendes no Diário Económico de hoje, e a sua excepção ponderada. E reler argumentos no Logicamente, sim, agora que o autor anunciou a despedida. Ganha-se, antes disso, o referendo.

Mãe e filha

Proposta

Aos do Não
Especialmente aos compassivos que votam Não mas querem, logo no dia seguinte, apresentar legislação que despenalize a IVG.

Ao dr Castro Caldas, À dra Matilde Sousa Franco, à dra Maria do Rosário Carneiro, ao dr Marques Mendes et al.

Eu voto sim exactamente pelas vossas razões. Acho inapropriado criminalizar as mulheres que, naquelas circunstâncias, não querem ser mães.

Mas concordo com os vossos Padres e Psiquiatras: alguma culpa deve existir. Alguma culpa deve ser expiada. Algo deve persistir no Código Penal como dissuasor do Dr. Aguiar Branco.

Assim declaro que logo no dia seguinte à vitória do SIM, apresentarei nos lugares competentes, propostas de legislação que punam até três anos de cadeia os presuntos responsáveis dos factos em causa. As mulheres indicarão À Comissão de Acompanhamento o nome do indivíduo que participou com os gâmetas masculinos e, apurada a verdade, aplicar-se-lhe-á a pena constante do artigo 140 do Código Penal que passará a ter a seguinte redacção:

O responsável pela gravidez da mulher que der consentimento ao aborto ou se fizer abortar é punido com a pena de prisão até três anos.

Luís Januário

A fraude

Depois das declarações - proferidas no programa da RTP Prós e Contras e publicadas em alguns jornais - sugerindo que um feto sentiria dor antes das dez semanas de gestação, Jerónima Teixeira « voltou a apresentar o seu estudo publicado na revista Lancet, feito ao longo de 7 anos em fetos entre as 16 e 34 semanas. Foi deste estudo que concluiu que o feto reage à dor e foi a partir deste estudo que considerou haver "evidência" para dizer que os fetos até às 10 semanas também reagem à dor. Questionada sobre a utilização da palavra "evidência", que, em qualquer dicionário, significa certeza e prova, Jerónima Teixeira emendou para "possibilidade" e adiantou que a sua experiência "sugere" que assim seja .» (Público de 07.02.2007, p.12)

O movimento MÉDICOS PELA ESCOLHA reagiu peremptoriamente: «Qualquer credibilidade científica que pudesse ser reconhecida a esta investigadora é obviamente maculada pela forma manipulatória como Jerónima Teixeira apresentou a sua argumentação, ao reconhecer ela mesma que "a sensação de dor no feto só está provada a partir das 22 semanas. »

Aqui a opinião de Carlos Fiolhais

E ainda: Contributo para o esclarecimento da história da DOR

O aborto clandestino...


mata...

Psiquiatras pelo Sim

Os psiquiatras subscritores têm, enquanto cidadãos, posições pessoais relativamente à questão da interrupção voluntária da gravidez. Consideram, no entanto, que a discussão até ao dia 11 de Fevereiro deverá ser tranquila e esclarecedora, baseando-se no consenso científico actual.

A IVG é um acontecimento de vida marcante, passível de determinar sofrimento psicológico com particular intensidade na altura de ponderar a decisão a tomar. Sendo esta decisão um processo difícil é comum estar associada a um conjunto de sentimentos, como a tristeza e a culpa, que, por si só, não correspondem a um diagnóstico psiquiátrico. Entretanto, para muitas mulheres, a decisão de interromper uma gravidez indesejada é antes fonte de alívio e de normalização emocional.

Em face da complexidade das reacções psicológicas suscitadas por uma interrupção voluntária da gravidez, os psiquiatras subscritores são de parecer que o acompanhamento e o aconselhamento da mulher podem contribuir para a sua saúde mental. Assim, consideram que a mulher deveria ter acesso a aconselhamento médico sobre as implicações da sua opção e ser acompanhada e orientada, de modo não directivo, na reflexão sobre a decisão a tomar. Tal só será possível com o fim do flagelo do aborto clandestino, que empurra as mulheres para uma decisão solitária, desinformada e que coloca graves riscos à sua saúde física e psíquica.

Dr.ª Manuela Silva - assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital de Santa Maria

Dr. António Neves – assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital de Santa Maria e assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa

Dr.ª Nazaré Santos – assistente graduada de psiquiatria do Hospital de Santa Maria e assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa

Dr.ª Manuela Correia - psiquiatra

Prof. Marco Paulino – assistente graduado de psiquiatria do Hospital de Santa Maria e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa

Dr.ª Ana Matos Pires - assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital de Santa Maria

Prof. Daniel Sampaio – chefe de serviço de psiquiatria do Hospital de Santa Maria e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa

Prof.ª Maria Luísa Figueira – directora do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria e professora da Faculdade de Medicina de Lisboa

Dr.ª Manuela Abreu - assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital de Santa Maria

Dr.ª Sónia Oliveira – interna de psiquiatria do Hospital de Santa Maria

Dr.ª Dulce Bouça - assistente graduada de psiquiatria do Hospital de Santa Maria e assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa

Prof. José Miguel Caldas de Almeida – director do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital S. Francisco Xavier e professor catedrático da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa

Prof.ª Graça Cardoso – directora do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr.ª Aura Viegas – assistente graduada de psiquiatria da Unidade de Cuidados Diferenciados de Almada

Dr.ª Lara Severino – assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital Santa Maria

Prof. António Leuschner – director do Hospital Magalhães Lemos e professor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto

Dr. Fernando Areal – chefe de serviço de psiquiatria do Hospital José Joaquim Fernandes

Dr.ª Ana Cristina Farias – assistente hospitalar graduada de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr.ª Alice Nobre – directora da Clínica Psiquiátrica III do Hospital Júlio de Matos

Dr.ª Jennifer Santos – interna de psiquiatria do Hospital de Santa Maria

Dr.ª Alice Luís- assistente graduada de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr.ª Maria Carlota Tomé – assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr. João Carlos Melo – assistente graduado de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr. Nuno Borja Santos – assistente graduado de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr.ª Berta Ferreira – assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr.ª Sandra Almeida – assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr. António Daskalos – director da Clínica Psiquiátrica IV do Hospital Júlio de Matos

Dr. José Manuel Jara – director da Clínica Psiquiátrica II do Hospital Júlio de Matos

Dr. António Fonte – assistente graduado de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr. João Cabral Fernandes – director da Clínica Psiquiátrica I do Hospital Júlio de Matos

Dr.ª Gisela Borges – interna de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr. Rodrigo Catarino – interno de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr. João Tavares – interno de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr. Rui Borralho - interno de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr. António José Albuquerque – chefe de serviço de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr.ª Ana Caixeiro – assistente graduada de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr.ª Manuela Almeida - assistente graduada de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr.ª Marina Dinis – psiquiatra

Dr.ª Paula Casquinha - assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr. Álvaro Carvalho – chefe de serviço de psiquiatria do Hospital S. Francisco Xavier

Dr.ª Lucília Bravo - assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr. Frederico Cavaglia - assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital de Santa Maria

Dr.ª Sofia Brissos - assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr. Jaime Ribeiro - assistente graduado de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr. Jorge Miguel Martinho – interno de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr. Bruno Pereira – interno de psiquiatria do Hospital de Ponta Delgada

Dr.ª Raquel Ribeiro – interna de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr.ª Teresa Maia Correia – chefe de serviço de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr. Marco Gonçalves – interno de psiquiatria do Hospital Júlio de Matos

Dr.ª Alda Rosa – assistente graduada de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr. Júlio Santos Naique – assistente hospitalar de psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca

Dr. José Salgado – director do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de Santarém

Dr. Jorge Bouça – director do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia

Dr.ª Ana Silva Pinto - interna de psiquiatria do Hospital Psiquiátrico do Lorvão

Dr.ª Conceição Fernandes - assistente hospitalar graduada do Hospital Psiquiátrico do Lorvão

Dr. Alexandre Cravador - interno de psiquiatria do Hospital Psiquiátrico do Lorvão

Dr.ª Silvina Fontes – interna de psiquiatria do Hospital de S. Teotónio (Viseu)

Dr.ª Mª Orlandina Maia - directora da Unidade de Inimputáveis Perigosos do Hospital Psiquiátrico do Lorvão

Dr.ª Paula Batalim - directora da Unidade de Internamento de Doentes de Evolução Prolongada do Psiquiátrico do Lorvão

Dr.ª Jorge Tudela - director clínico do Psiquiátrico do Lorvão

Dr. João Palha – interno de psiquiatria do Hospital Magalhães Lemos

Dr.ª Isabel Saavedra – interna de psiquiatria do Hospital Magalhães Lemos

Dr.ª Alexandra Alves – interno de psiquiatria do Hospital Magalhães Lemos

Dr. F. Medeiros Paiva – psiquiatra do Instituto da Droga e da Toxicodependência

Dr.ª Marta Rego – interna de psiquiatria do Hospital de Santa Maria

Dr. Diogo Guerreiro – interno de psiquiatria do Hospital de Santa Maria

Dr.ª Sandra Carreiro Borges - interna de psiquiatria do Hospital São Teotónio (Viseu)

Prof. Pio Abreu – chefe de serviço do Hospital da Universidade de Coimbra e professor da Faculdade de Medicina de Coimbra

Dr.ª Luís Mendonça – interno de psiquiatria do Hospital Miguel Bombarda

Dr.ª Ana Isabel Oliveira – interna de psiquiatria do Hospital Sobral Cid

Dr.ª Sara Pereira – interno de psiquiatria do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia

Dr. Miguel Martins – interno de psiquiatria do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia

Dr.ª Daniela Condesso – interna de psiquiatria do Hospital Sobral Cid

Dr.ª Carla Silva – interna de psiquiatria do Hospital Sobral Cid

Dr.ª Mário Oliveira Simões – interna de psiquiatria do Hospital Sobral Cid

Prof.ª Dr.ª Cristina Villares Oliveira – assistente hospitalar graduada do Hospital da Universidade de Coimbra e professora da Faculdade de Medicina de Coimbra

Prof. Dr. Júlio Machado Vaz – psiquiatra e professor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar


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"…em estabelecimento de saúde legalmente autorizado"

Cavaco Silva (na abertura do ano académico da Academia Portuguesa de Medicina): "existem franjas da sociedade e do território em clara desvantagem no acesso aos cuidados médicos". Nem todas podem ir a Badajoz ou Londres.

É também isso que vai a votos no dia 11.

Estamos bem acompanhados

O Sim no Referendo não é o único blogue que tem procurado esclarecer a questão civilizacional que vai a votos no dia 11. Muitos outros o têm feito. Não podendo citar todos eles, permitam-me que aluda a um desses blogues, assim homenageando todos os outros: o Logicamente, sim, cujo autor, lá longe, em Oxford, tem sido incansável a esclarecer e debater o que está em causa no dia 11.

O voto contra o fanatismo

A Juventude Popular, organização de juventude do CDS-PP, colocou em linha um argumentário para -- cito -- ter uma «resposta fundamentada e clara para que todos os militantes possam defender a sua posição nos debates que se seguirão ». E o que diz esse documento? Coisas destas:

«(...) Admitir o aborto é admitir, assim, também o infanticídio». (p. 3)

«Perguntar-nos-ão: e então naqueles casos em que a mulher, tendo lançado mão de todas as cautelas necessárias, isto é, tendo feito uso dos adequados métodos anticoncepcionais, se confronta com uma falha dos mesmos que desemboca na sua gravidez? Responder-lhe-emos, simplesmente, que ainda assim, enquanto pessoa, a mulher deve ser chamada a assumir a sua responsabilidade, isto é, deve levar a gravidez até ao fim». (p. 4)

É também contra este fanatismo sem concessões que ninguém deve deixar de se pronunciar no próximo domingo. Para mudar a lei. Para votar sim.

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Ao blogue que nos escreve directamente do ano de 1967...

...um agradecimento especial por nos chamar a atenção para o importante testemunho recolhido por Ana Sá Lopes sobre Rosa dos Anjos, que quase morreu de septicemia em 1967, na sequência de um aborto clandestino.

E, além do agradecimento, os meus parabéns: o blogue do não conseguiu chegar a 2007 sem ter percebido que o que é trágico nisto tudo é que a história de Rosa dos Anjos, apesar de ter acontecido há 40 anos, não pertence ao passado.

Vejam

A Marta está na SIC Radical. (Depois de chegar lá escolha a SIC Radical).

Despenalização, descriminalização e lógica simples

(Contribuição de Filipe Moura)

Basta um raciocínio de lógica elementar para se perceber que, dada a pergunta que vai ser referendada, as propostas de Rosário Carneiro, Laurinda Alves e Marcelo Rebelo de Sousa não têm cabimento. A dúvida que possa surgir resulta da confusão entre "penalização" e "criminalização". Eu não tenho nenhuma formação jurídica, mas parece-me óbvio que tudo o que é penalizado pelo Estado tem antes de ser um crime. O oposto, no entanto, não é necessariamente verdade: há crimes que podem não ser penalizados. Na linguagem da Teoria de Conjuntos, as condutas penalizáveis são um subconjunto das condutas criminalizáveis. Da mesma maneira, e de acordo com a mesma teoria dos conjuntos, as condutas não criminalizáveis são um subconjunto das condutas não penalizáveis. O que acabei de escrever traduz-se, em linguagem comum, por "o Estado não pode penalizar o que não é crime".

Pelo que expus, é bem diferente responder "sim" ou "não" consoante o que estiver em causa for a descriminalização ou a despenalização. Um "sim" à descriminalização implica um "sim" à despenalização. Um "não" à despenalização implica um "não" à descriminalização. Por isso, estando em causa a despenalização, e ao contrário do que geralmente é referido pela campanha do "não", a resposta "sim" é mais abrangente do que a "não".

Se estivesse em causa a descriminalização, o "não" seria mais abrangente, mas é a despenalização que está em causa na pergunta do referendo que, recordo, foi aprovada pelo Parlamento e pelo Tribunal Constitucional e promulgada pelo Presidente da República. E o "sim à despenalização" é mais abrangente porquê? Porque é a única resposta que inclui a única solução de compromisso possível: a criminalização do aborto sem a sua penalização. É isto que em certas circunstâncias (não necessariamente sobre o aborto) já se fazia "na Roma antiga", como lembrou no debate "Prós e Contras" a moderadora Fátima Campos Ferreira. É esta solução de compromisso que defende Marcelo Rebelo de Sousa. É este o conteúdo da proposta de lei de Rosário Carneiro. Reparem: sem penalização. Portanto, quando se pergunta sobre a despenalização a resposta só pode ser "sim". É só isto que está em causa no referendo, e tudo o mais é uma mistificação que tem como objectivo confundir as pessoas. Se fossem coerentes, Rosário Carneiro e Marcelo Rebelo de Sousa só poderiam votar "sim" à despenalização. Mas não: Marcelo Rebelo de Sousa, Rosário Carneiro e os eleitores do "não" não querem a descriminalização e nem sequer a despenalização. Quem viu um advogado como António Pinto Leite, no programa "Prós e Contras", a apelar (textualmente) à descriminalização do aborto, que defende ser amplamente consensual na sociedade portuguesa, mas a apelar ao mesmo tempo ao voto no "não" à despenalização, só pode concluir que estas propostas de aparente "moderação" por parte dos apoiantes do "não" constituem um enorme embuste.

Se os portugueses no próximo dia 11 votarem "não" à despenalização, estão a votar por manter a penalização (e, logo, a criminalização) do aborto. Nestas circunstâncias não é possível uma solução de compromisso. Pedir uma solução de compromisso e apelar ao voto no "não" à despenalização só tem um nome: hipocrisia. A única alteração que se poderia fazer na lei seria mudar o tipo de penalização (mas mantendo uma penalização): uma proposta do género da apresentada por Bagão Félix, que manteria sempre necessariamente o estigma da criminalização, do julgamento e da humilhação da mulher. Por isso, quando José Sócrates garante que não haverá alterações à lei no sentido da despenalização se o "não à despenalização" no referendo ganhar, não é por casmurrice, amuou birra: está a garantir que se cumpre aquilo que a maioria determinar. É da democracia. E é da Teoria dos Conjuntos.

É claro que poderão apontar-me que a pergunta do referendo não se refere só à despenalização do aborto, pura e simples: põe mais condições. (Se quiserem, na linguagem da Teoria de Conjuntos, as restrições impostas pela pergunta fazem com que as situações em que o aborto poderá ser despenalizado, em caso de vitória do "sim", são um subconjunto de todas as situações em que o aborto poderia eventualmente ser despenalizado.) E ainda bem que põe mais condições: julgo que qualquer pessoa de bem é contra a despenalização pura e simples do aborto, se não for sob certas condições. Teoricamente é possível uma pessoa ser favorável à despenalização mas votar contra, por discordar de alguma das restrições impostas.

Mas de qual restrição se poderia discordar? Das dez semanas? Mas quando haveria o aborto de ser permitido? Sem prazo? Ou com um prazo tão curto que não permitisse à mulher aperceber-se da gravidez? Também poderia discordar-se de o aborto ter de ser feito num estabelecimento legalmente autorizado, mas onde é que se iria autorizar então o aborto? Em casa? Noutro sítio qualquer, longe de pessoal qualificado e equipamento especializado, com risco para a saúde? Finalmente poderia discordar-se de o aborto ter de ser realizado por vontade da mulher, mas discordar disto implica necessariamente aceitar que o aborto possa ser realizado contra a vontade da mulher. É isto, e só isto, que significa discordar da condição "por vontade da mulher". Mais uma vez é da Teoria dos Conjuntos.

Finalmente, poderia votar-se "não" não por discordar das restrições apresentadas, mas por achar que são poucas, por se querer mais restrições. Não será este o caso de Marcelo Rebelo de Sousa, que já acha a pergunta "muito complicada". Mas poderia ter sido o caso da deputada Rosário Carneiro, que poderia ter posto as suas objecções à pergunta no local próprio, o Parlamento, e na altura exacta. Isto se estivesse realmente interessada na despenalização do aborto. Por só se ter lembrado da sua proposta na última semana da campanha, só pode concluir-se que não está interessada de facto na despenalização e só quer iludir os eleitores.

Não conheço e não concebo ninguém, em nenhum país do mundo, no seu perfeito juízo, que defenda a despenalização do aborto e discorde de restrições do género das que são impostas na pergunta do referendo. Por isso pode-se afirmar, e deve ficar claro, que quem vota "não" no referendo do próximo dia 11 é pela criminalização e pela penalização do aborto.

Filipe Moura

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Cientistas pelo SIM: Somos Todos Divinos

Contribuição de Teresa Sá e Melo

Após a 2ª Guerra mundial quase todos os países ocidentais tiveram um gesto magnânimo e concederam o voto às mulheres e o direito de cidadania às suas concidadãs.

Nesse tempo longínquo, estes países ocidentais uniformizaram-se quanto às regras penais a aplicar às mulheres que abortavam. Posteriormente, há cerca de trinta anos, os mesmos países ocidentais uniformizaram-se de novo, desta vez quanto às regras de despenalização das mesmas mulheres que continuavam a abortar.

O aborto era, e sempre foi, uma questão de foro íntimo, individual. De quem? Desses seres humanos ausentes, politicamente inexistentes, sem palavras nem consciência. Portanto, cabia ao mestre, ao patrão, ao pai, etc., em suma, ao Estado, enquadrar e balizar as acções destas mulheres.

O Estado não mudou de opinião sobre a não consciência, a não civilidade, a não vontade das mulheres. Inventou outra filosofia jurídica e abortou a lei. Hoje o mesmo Estado patriarcal não sabe como descalçar a bota. É uma lei não lei.

Se naquele tempo longínquo do pós guerra, em 1945, os países europeus tivessem sido governados por mulheres colocar-se-ia a questão do enquadramento legal do aborto? Claro que não! Mas o mundo ocidental está cheio de aprendizes de Salazar. Não têm memória. Não têm palavras. Não são livres.

Sou ausente deste mundo sem memória. Deste mundo de interesses e de ódio travestido em bondade. Sobre o aborto já não há palavras. O mundo de hoje já não as tem. Porque os poetas naturalmente se ausentaram e fazem-nos falta.

Estamos reduzidos a um mundo hostil à palavra. Reduzidos à trivialidade palavrosa.
Na antiguidade, os males da humanidade tinham uma origem divina. Era o castigo dos Deuses. No mundo greco-romano, eram vários os Deuses. A sua ira era apaziguada com ofertas que esconjuravam o mal.

O mundo ocidental, aquele que hoje conhecemos teve como pricípio o verbo. Era Deus, o nosso mundo começou com um único Deus. Os homens odiaram-se invocando o seu nome. A humanidade dividiu-se entre aqueles que o mataram e aqueles que o ressuscitaram.
Actualmente, esse Deus único desapareceu do Ocidente. Foi substituído por outra crença, - a do princípio universal da democracia. Isto é, todos os homens são divinos, corolário evidente deste princípio universal. A grande Natália Correia tinha-o percebido há muito.

Hoje somos todos criaturas divinas. Já ninguém detém o respeito do outro. Não há Deus.

Somos as criaturas de uma outra criatura qualquer. Mas esta criatura qualquer tem um grupo de identificação política, que a nomeia e defende palavrosamente.

Todas as outras criaturas não identificadas, não existem. Não têm nome. Este é o princípio que tem como corolário que todas as criaturas não identificadas, não só não existem como não têm consciência, não têm vontade, não têm existência política.

A desmesura e a arrogância da criatura qualquer e do seu grupo é a exacta medida da vontade em substituir aquele Deus único, hoje inexistente.

As mulheres continuarão a abortar voluntariamente e deixarão às outras criaturas, também elas filhas de uma criatura qualquer, a arrogância de pretenderem substituir-se ao Deus único e à Sua ira.

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Júlio Machado Vaz

Dos argumentos à opinião pessoal

Tenho muita estima pelas opiniões de Pedro Mexia (PM) e gostaria de deixar umas brevíssimas notas a propósito do seu texto sobre a IVG, escritas a quente e durante o pequeno-almoço .

1. E a «liberalização» do aborto (já lá vamos) é objectivamente um aliado do aumento do número total de abortos, como aliás acontece em quase todos os países dos quais temos números.

A alusão a "liberalização" parece ter aqui uma leitura intencionalmente dúbia. O significado do termo foi já discutido ad nauseam e remeto o leitor para variadíssimos posts neste blogue sobre o assunto. O essencial: 1) o aborto está neste momento "liberalizado", mas mal; 2) o aborto a pedido passará provavelmente pela adopção de um modelo semelhante ao modelo francês. Temos duas razões para pensar que estamos a salvo do guichet para o aborto: 1) como diz Vasco Pulido Valente, Portugal copia tudo de fora e nada inventa; 2) a intensa polémica é também um garante de que qualquer solução em caso de vitória do "Sim" incluirá rotinas desenhadas para desencorajar a IVG ou para, no mínimo, assegurar que a decisão foi ponderada.

Sobre os números, PM faz uma afirmação abusiva. Os números não permitem concluir o que ele conclui. A haver uma conclusão genérica é a contrária. Para mais, mesmo nos casos em que houve aumento do número de abortos com a legalização a leitura dos dados tem de ser cuidadosa, como se explicou já para a situação na Espanha. Não discutimos detalhes. Esta afirmação de PM alicerça parte do seu texto.

2. Se a lei criminal deve (e acho que deve) reflectir os valores dominantes da sociedade que regula, então ela tem de reflectir de algum modo essa contradição. Ou seja: declarar que o aborto é ilegal (excepto nos casos mais chocantes), exactamente porque é um mal; mas não decretar uma punição das mulheres (excepto em casos chocantes), precisamente porque as mulheres recorrem ao aborto em estado de necessidade. Esta contradição, repito, existe na sociedade.

Um ponto de ordem prévio: que a lei traduza as contradições da sociedade é uma coisa; outra, bem diferente, é transportar a contradição para a interpretação da lei (nomeadamente o seu incumprimento). Mas admitindo que a ideia de PM é válida, podemos sempre argumentar que a existência de um prazo para a IVG traduz já a contradição que existe na sociedade. No fundo do que se fala é da procura de um consenso. O equilíbrio é definido pela definição dos extremos absolutos e, nessa medida, a IVG até um dado período de gestação é uma solução de consenso.

3. A ciência deu alguns contributos recentes para esta discussão, permitindo que detectemos sinais de vária natureza e de vária intensidade no feto, que o aproximam ou distanciam do estatuto de «ser humano.

Aqui estamos no domínio da pura ficção. A culpa não é de PM mas de todos os que põem a ciência ao serviço de uma causa. Temos desmontado esses contributos e seria deslocado fazê-lo a partir de um texto de PM.

4. Acontece que o aborto, sendo uma questão de saúde pública e de política criminal, é desde logo uma questão ética (e «ética» não se confunde com «religião»).

É uma ressalva válida, que noutras circunstâncias marcaria pontos mas que aqui resulta estratosférica: o denominador comum forte que junta a Polónia, Malta, Portugal e a Irlanda é o Catolicismo. Não há outro. E estes são os países europeus que impedem na lei a IVG e estimulam na prática o aborto clandestino. A confusão que existe entre a ética e a religião é um facto, que não se faz desaparecer deixando a religião fora das palavras ou exibindo os ateus e agnósticos de serviço.

5. …são argumentos estritamente éticos (racionais), sem considerações políticas ou religiosas. Cada um terá o seu juízo sobre a discussão. A mim, parece-me claro que um feto é uma vida em formação, e que não devemos terminar uma vida, mesmo em estado embrionário, salvo em casos excepcionais.

Trata-se, como o autor esclarece, de uma opinião pessoal. Creio que uma vez rebatidos alguns dos pontos anteriores, ficamos reduzidos a uma opinião pessoal sobre o assunto, que o voto no "Sim" e as consequências práticas do voto no "Sim" não desrespeitam.

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Título deste post: resposta ao Eduardo e despedida:

Gostei deste post - como no geral tenho gostado de como o Eduardo defende o Não. Como dizia o Ricardo Araújo Pereira sobre o João Pereira Coutinho, apetece-me dar-lhe repetidamente com uma barra de ferro na cabeça, mas tenho gostado.


Não sou capaz de responder a todos os pormenores, como acho que deve ser o esforço de quem se predispõe a responder a outro. Primeiro porque a repetição dos argumentos já começa a ultrapassar o limite do aceitavel até para quem, como eu, se diverte com isto, e segundo porque, naturalmente, existem argumentos que não domino o suficiente até para os meus baixos padrões de responsabilidade e exigência. Considero, então, ser esta a altura ideal para terminar a minha orgulhosa (um muito obrigado ao Daniel Oliveira) participação neste espaço (vou dar uma curva) com uma mini-declaração, elaborada em jeito de comentário a uma frase (necessariamente retirada do contexto) deste último post do eduardo:

"2.º - o aborto, seja em casa, no vão da escada, no Estádio da Luz ou nos estabelecimentos hospitalares devidamente equipados e autorizados do Baruch, implica sempre a destruição de uma outra vida. "

Eduardo:

Há pessoas que não consideram o aborto (dentro dos limites temporais correntes, 10, 12 semanas) a destruição de uma "outra vida", Eduardo. Há muitas pessoas que não consideram o aborto a destruição de uma vida humana, Eduardo. Muitas, muitas pessoas existem que não consideram estar ali ainda.... " outra" pessoa. Tantas (afinal, uma Europa inteira de, para o Eduardo, assassinos - que outro nome para quem destrói conscientemente "outra vida" humana?) que não é possivel aplicar a actual lei, e muito menos aplicá-la igualitariamente, com justiça.

Eu, apesar de possuir um conjunto de opiniões extremamente acertadas sobre toda e qualquer perturbação do universo, não tenho opinião sobre este assunto em concreto; o Eduardo, com certeza baseado nos seus vastos (mas, até agora, ainda inefáveis) conhecimentos filosóficos, embriológicos, antropológicos e etc, acha que sim, que desde o momento da fecundação que estamos ali perante uma pessoa, " outra vida".

Pronto, é uma opinião, mas uma opinião menos respeitável, porque incomunicável a pelo menos 50 por cento (a ver pelo sitemeter) dos seus colegas de sociedade, menos respeitável porque, no fundo, não passa da tentativa de obrigar outros a aceitar e a vergar-se perante uma fé do Eduardo, e não num raciocinio lógico minimamente partilhado com o resto da turma, uma opinião não suficientemente generalizada nem entre os vários especialistas na matéria.

Novamente, contando que a maior parte não seja um assassino, entre os especialistas da filosofia, da embriologia, da antropologia e etc, acorre um conjunto de opiniões demasiado diversificadas e fortes para se conseguir chegar a um mínimo de acordo, ou seja, não ocorre entre a comunidade científica e de especialistas um consenso razoavelmente suficiente em que se considere que o feto até às dez semanas (sei lá) seja já " outra vida" que ali esteja, pelo menos igual a mim ou ao Eduardo, e que, portanto, destrui-lo seja o equivalente a matar um ser humano.

É simplesmente, Eduardo, simplesmente impossivel, vê lá se metes isto na cabeça, é simples e estatisticamente impossivel que existam tantas pessoas capazes de destruir " outra vida" humana com a consciência de tal. É impossivel existirem tantos assassinos assim. Não pode, não pode. Mesmo escondido no asseio médico e científico (que reconheço ser um perigo), não pode, Eduardo, simplesmente não é plausivel. Por melhor e maior defensor da vida humana que o Eduardo seja relativamente a uma porção tão significativa do resto dos cidadãos da sua Europa, não há maneira de o Eduardo ter tanta certeza na sua convicção.

Há que saber construir um mínimo de humildade dentro de nós. Penso que, na sua fé, é isso que falta às pessoas decentes do Não, como, parece-me que isto sempre foi óbvio, é o que considero ser o Eduardo.

O feto é uma vida que ali está? Pois o Eduardo acha que sim, tem certeza quanto a isso, parece-lhe que abortar até às dez semanas é matar " outra vida", outra pessoa. Pedia ao Eduardo que lutasse pelo fim dessa barbárie de outra forma, de preferência de uma forma que evite sujeitar quem não tem a sua opinião a uma violência que, às vezes, também mata e, ainda mais vezes, impede que no futuro se crie mais vidas.

PS: Não sou nenhuma "terceira via" do Sim. Vamos todos, eu e a Lidia Jorge, colocar a cruz no mesmo quadrado. Cada um que carregue a sua cruz.

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Será assim tão difícil perceber isto?

"O que importa frisar é que, uma vez que nenhuma mulher de facto leva a cabo uma gravidez indesejada, qualquer aborto legalizado é um aborto a menos na clandestinidade. Um que seja já é bom."

Tiago Mendes no imprescindível Logicamente, Sim.

A verdade dos factos II

Ainda e a propósito da intervenção do Daniel Oliveira no debate de segunda leia-se o post de Tiago Geraldo no 31 da Armada

Tem havido uma certa rebelião contra o suposto «disparate» que o Daniel Oliveira disse ontem no Prós e Contras. Mas – e dêem-lhe lá esse direito – o Daniel Oliveira pode estar certo de vez em quando. E neste caso é óbvio que está.


No bolorento, muitas vezes radical e quase sempre previsível Blogue do Não com que não costumo perder o tempo, tenho tentado acompanhar o que escrevem o FMS e o ENP, dois defensores do Não que sempre me pareceram saber dividir as águas e deixar de fora o elemento «sentimental» nesta discussão. O Eduardo repetiu por várias vezes que é favorável à penalização do aborto – uma posição a que me oponho absolutamente mas, ainda assim, coerente – e expôs com uma certa condescendência os dilemas de um tal Sr. X (um homem de coração mole que queria despenalizar mas não liberalizar). Ontem o Eduardo fez cair essa reconhecida clareza quando resolveu elaborar sobre a abertura de possibilidades oferecida pelo Não e a sua infinita capacidade agregadora, dizendo muito simplesmente que « Só o Não permite uma despenalização sem liberalização ». Esta afirmação é obviamente um equívoco.

Ora, o referendo vinculativo é um acto político. Mas a esse acto político estão associados certos actos legislativos. Depois de dia 11, caso o Sim vença com mais de 50% de participação eleitoral, o Código Penal não se altera por mero efeito do resultado no Referendo. Mas do carácter vinculativo do Referendo resultará não apenas uma orientação política mas uma decisão-regra com força afim da força de lei que fará recair sobre o Parlamento uma obrigação de legislar.
O sentido útil de uma vitória do Sim no Referendo será o de o Parlamento não poder dispor discricionariamente dos resultados do referendo. Na hipótese de vitória do Sim haverá uma orientação que fixa e impõe ao Parlamento que legisle em conformidade.
Contrariamente, na hipótese de o Não vencer, nasce uma obrigação de não aprovar uma lei de conteúdo colidente com o resultado do Referendo. Vencendo o Não num Referendo que bem ou mal se diz sobre Despenalização parcial do aborto, a aprovação de uma Lei no Parlamento que preveja a Despenalização total do aborto (através do miraculoso mecanismo jurídico que não existe nem será inventado – crime sem pena) é contrária ao sentido da resposta dada em Referendo. Logo, a lei aprovada nessas condições será ilegal (e não inconstitucional, porque nenhuma norma da Constituição é infringida).
O argumento do ENP (descriminalizar não é despenalizar) também não me parece consistente. Como o próprio Eduardo notou e bem nos dilemas do Sr. X, caso o Sim vença no próximo Referendo haverá uma Despenalização parcial do aborto, isto é, até às 10 semanas a mulher que realize um aborto não comete qualquer crime. Portanto, haverá sempre uma zona de confluência mínima - a despenalização até às 10 semanas - entre a pergunta do referendo e a proposta que o Não se lembrou a uma semana do dia 11.
Com a temporalmente oportunista, desonesta e tecnicamente impraticável solução proposta pelo Não, que desde o início do debate se vinha revelando incomodado com o problema da «Pena», pretende deixar-se o aborto num vazio legal como está, para citar um paralelo, a prostituição.
O Daniel Oliveira pode ter errado na qualificação exacta, mas o que disse ontem não pode ser de forma alguma atacado. Acusações de «fuga em frente» e «chantagem» vêm bater à porta errada. Não foi o Sim que a uma semana do Referendo se «reinventou» e lançou uma derradeira tentativa de se aproximar a um «centrão de consensos» que, desde o início do debate, nunca pareceu querer nada desse lado.



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Disse "democracia"?

«Apesar de saber bem o rol de sofrimento da mulher que muitas vezes acompanha a prática do aborto, as pressões, sociais, familiares e afectivas a que está sujeita (muitas vezes do próprio homem que contribuiu para a concepção do feto), entregar à mulher, em total arbítrio, a decisão de vida ou de morte de um ser humano não é justo nem democrático. E diria exactamente o mesmo, é evidente, se o homem fosse o decisor...»

P. António Vaz Pinto, "Resposta a Frei Bento Domingues", Público, 07.02.2007 (sublinhado meu)

Curiosa concepção dos direitos da mulher: não é "justo" (perante que justiça??) o livre arbítrio da mulher; nem "democrático": alguém terá que decidir por ela, um colectivo democrático, certamente. O que sua eminência afinal vem anunciar é que a mulher, tanto quanto o feto, é inconsciente; alguém tem que decidir por eles. Estamos de volta à Idade Média.

Despenalização e tendências abortivas

Com o impagável César das Neves e o seu domínio das cifras no comando das operações vingou como facto incontroverso a associação entre descriminalização e aumento do aborto em Espanha. Fez facto mas não devia. Trata-se de uma falácia (que acredito ser mais da ordem da ilusão do que da mistificação) só possível pelo processamento primário dos dados disponíveis. Vejamos.

Num estudo publicado em 2001 numa prestigiada revista médica¹, quatro especialistas, recorrendo a ferramentas estatísticas sofisticadas, concluíam que a incidência do aborto não fora, no caso espanhol, afectada pela adopção de legislação descriminalizadora em meados dos anos 80. De resto, dificilmente poderiam ser mais peremptórios: decriminalisation has had no observed effect on the trends in abortion, but rather it has benefited Spanish women by making abortion available locally and, therefore, reducing the inequalities implied by lack of access to proper health care services .

Como foi possível chegar a remate tão diferente da tese que quase todos consideravam demonstrada? Manipulando números, cálculos? Não. Aperfeiçoando o procedimento de investigação de modo a torná-lo menos sensível a dados espúrios, que não devem ingressar no cômputo.

Com efeito, contrariamente à abordagem corrente, convencional – aquela que César das Neves acriticamente abraça –, que observa as estatísticas nacionais de modo indiferenciado, os autores do estudo concentraram-se em séries temporais relativas em exclusivo ao grupo das mulheres espanholas, verificando as suas condutas dentro e fora de portas. Esta inovadora opção tem uma enorme vantagem, a bem do rigor científico. Neutralizar a dupla distorção provocada, de um lado, pela inclusão nas estatísticas nacionais de procuras abortivas que na realidade Espanha não gera/comporta (a mais evidente, claro, a que resulta de confinar com um País – Portugal – que criminaliza a prática do aborto) e, do outro lado, pela exclusão dessas mesmas estatísticas dos abortos realizados por cidadãs nacionais no estrangeiro.

Acresce que os autores foram conservadores na ponderação das estimativas do aborto clandestino praticado em Espanha antes da promulgação da legislação permissiva em 1985. Isso permite-lhes clarificar que a provável subavaliação do aborto enquanto permaneceu fora-da-lei, a ser corrigida (em alta, naturalmente) mais reforçaria a sua conclusão de total dissociação entre tendências abortivas e legislação penal aplicável.

Repare-se bem nas implicações desta conclusão. Não se trata apenas de refutar a correlação (aparente) entre descriminalização e aumento do aborto (ao menos no caso – mas caso paradigmático – de Espanha). Trata-se ainda de, tanto quanto o emprego criterioso da ciência dos números nos permite conhecer, fortemente indiciar que a criminalização não exerce quaisquer efeitos dissuasores sobre o aborto. Ou seja, não servirá para nada. Salvo talvez para tranquilizar consciências atormentadas (vá-se lá saber ao certo por quê) que querem instrumentalizar a letra da lei para satisfazer esse desígnio íntimo.

Nada me move contra consciências inquietas, angustiadas, mortificadas, indignadas, consciências essas que agora, quais Intendentes da Humanidade Comum, se auto-aclamam campeãs intransigentes da Vida e do Ser Humano. Gostaria é que resolvessem o seu problema de consciência sem ser a expensas da vida, da saúde e da dignidade das mulheres que vivem em Portugal, concidadãs e imigrantes que por cá estão. Mulheres que, revogue-se ou não a lei actual, i.e. à revelia ou não da legislação repressiva que as classifica/aponta a dedo como criminosas e põe as autoridades judiciais no seu encalço continuarão na vida tal como ela é e não como idealizamos que fosse a fazer do aborto uma solução para pôr termo a gestações indesejadas.

¹Peiró, Rosana, Concha Colomer, Carlos Alvarez-Dardet, John R. Ashton, "Does the liberalization of abortion laws increase the number of abortions? The case study of Spain", The European Journal of Public Health, 2001, 11 (2), pp. 190-194. Consultar aqui.

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A verdade dos factos


Daniel Oliveira na sua intervenção no Prós&Contras de 5 de Fevereiro repõe a verdade dos factos: votar NÃO no referendo de domingo próximo é dizer que se quer manter a situação actual, que se quer que fique na mesma o artigo 142º do Código Penal e que se considera serem criminosas sujeitas a pena de prisão as mulheres que interrompem uma gravidez. Qualquer outra interpretação é lançar poeira nos olhos dos portugueses!

De facto, a última táctica dos movimentos do NÃO é inaceitável: na prática consiste em afirmarem-se pró-penalização da mulher que interrompa voluntariamente uma gravidez até às 10 semanas num estabelecimento de saúde legal mas pró-liberalização total do aborto clandestino, sem limites temporais e em espeluncas todas badalhocas. São apenas contra a mulher poder interromper uma gravidez em condições dignas e de segurança, nada mais.

Votar SIM dia 11 de Fevereiro é a única forma admíssivel num estado de Direito de despenalizar as mulheres que interrompam uma gravidez até às 10 semanas. Afirmar o contrário não só é inconstitucional, é advogar que Portugal seja um país de faz-de-conta, um país em que as leis existem mas não devem ser cumpridas!

ÚLTIMA HORA!

Dirigentes do Não fazem promessa dramática aos Portugueses
Se votarem Não no referendo, prometemos que DEPOIS de dia 11 seremos também a favor da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.