Sábado, Janeiro 27

Sábado, Janeiro 27

O Modelo Alemão Segundo Marcelo


(Transcrição de um vídeo censurado em que o Professor Marcelo conversa com a jovem Elisa no areal do Guincho, logo após o seu mergulho matinal e ainda com cabelo molhado; Marcelo de pólo azul escuro da Amarras, Elisa em tons pastel).

Elisa (jovem): …nhó nhó nhó nhó?

Marcelo (Professor): Ora bem, é uma magnífica questão (pausa) Quem teve a ideia do modelo alemão, talvez ainda se lembrem, não fui eu. Mas eu sobre isso queria sublinhar três coisas (nova pausa, ligeiro inclinar de cabeça para a frente, um discreto erguer de braços) Em primeiro lugar, é preciso dizer que o modelo alemão em abstracto é O grande modelo. Por mim aumentava-lhe apenas o prazo das 12 semanas até aos 8 meses (a câmara, até aí pouco oscilante, acusa um safanão) Mas o modelo é bom. (Marcelo volta, com uma orelha fora do enquadramento). O problema é que as alemãs não estão à altura . Aborta-se muito na Alemanha. Continua a abortar-se muito na Alemanha, mesmo com aconselhamento obrigatório. E isto porquê? (pausa prolongada, momentânea exoftalmia, o sol nascente reflecte-se nos olhos de Marcelo dando-lhes um poder quase hipnótico, Elisa estremece) Os alemães são gente sólida, a grande filosofia fez-se em alemão, lembre-se disso. No fundo elas dispensam o aconselhamento. Sabem pensar pela sua cabeça (os braços vão regendo a exposição de Marcelo, como um maestro diante de um espelho) Já estão convencidas quando entram no consultório, percebe? O que é que isto significa? Que na verdade não há aconselhamento. Há liberalização! Isto é gato por lebre! Ora eu sou pelo modelo alemão mas em Portugal.

Elisa (jovem): …nhó nhó?

Marcelo (Professor): Ainda bem que toca nesse ponto, Elisa. O progresso. É um facto que a Gay Parade é autorizada há muitos anos pelos autarcas de Berlim. É neste clima progressista que se aceita um modelo como o modelo alemão, mesmo que depois não funcione. Agora lembre-se da resistência que Santana Lopes enquanto presidente da câmara de Lisboa levantou à realização de eventos desse tipo. Santana, note bem. Um homem da noite. (olhar malicioso e algo triunfante) Lembre-se que ainda não há casamentos gay, por exemplo. E se é assim, pergunto: estará Portugal preparado para aprovar o modelo alemão? Não está. O modelo é bom, repito. Não funciona na Alemanha mas por causa das alemãs. Aqui sim, porque as portuguesas... (longa pausa, olhar cabisbaixo, para se erguer com um sorriso cúmplice)... As portuguesas são sensíveis, mulheres delicadas que têm depressões ligeiras e instabilidades momentâneas. Precisam de aconselhamento. O que é que se passa, então? Não há abertura. O modelo nuuuuu…(ligeira flutuação da frequência do som) … uuuunca seria aprovado. E estamos nisto. Há um modelo bom, falta um povo para ele. Os alemães por um motivo. E nós, felizmente… (a voz de Marcelo ganha aqui um registo épico-intimista, como se houvesse música de fundo)... Felizmente que é por outro motivo: recusar o modelo é uma marca civilizacional. Sabe, Elisa, os portugueses não percebem isto, mas o que temos em mão é sobretudo uma questão de identidade nacional. Portugal é faladofora por causa desta lei, deste referendo. Isso é bom para o país. Foi de resto o que me levou a inventar o referendo em 1998. Para que ficasse tudo na mesma. Não se queira agora usar o referendo para mudar a lei. Por capricho. Portugal é uma jovem democracia mas já vai sendo tempo de amadurecer.

Elisa (jovem): Muito obrigada.

Marcelo (Professor): Obrigado, Elisa.

Da honestidade...


Transcrevi este texto pela primeira vez noutro local, logo depois de ter lido as declarações do Professor Gentil Martins num debate sobre o Referendo, acontecido há uns dias . Relembro-as "O que é a morte de uma mulher comparada com a morte de 20.000 crianças". Hoje, depois de ter lido no DN mais uma história de um aborto que terminou em morte (Maria Ester que se junta à Ana) e de ter ouvido num dos noticiários do almoço declarações de uma obstetra de Coimbra (Dra Isabel qualquer coisa. Peço desculpa por não ter fixado o apelido), que falava na "morte de uma criança indefesa", apeteceu-me republicá-lo aqui porque quer o Professor Gentil Martins quer a obstreta que citei falavam na sua condição de médicos, o que os obriga - digo eu - a um uso cuidado e preciso do vocabulário.

Os vocábulos, os conceitos, a predicação, é tudo menos deixado ao acaso, não havendo, também aqui, espaço para a menor ingenuidade ou desatenção. A escolha de expressões com maior ou menor ressonância afectiva e emocional é propositada, eivando a reflexão ética de componentes deliberadamente irracionais, quando não intencionalmente agressoras e autopunitivas.

Como alertou Paul Ricoeur, o passo seguinte consiste no escorregamento do plano semântico para o ontológico, o que faz com que grande parte da discussão se enleie em inultrapassáveis aporias (1). Dito de outra forma: a intencional escolha dos vocábulos ou expressões (ou a sua artificiosa definição) visa claramente atribuir à realidade por eles designada um preciso significado ontológico que dificulta o avanço de qualquer diálogo ou ponte.

No caso da interrupção de gravidez, como noutros (clonagem, cuidados paliativos, eutanásia), ao mesmo acto, ao mesmo gesto, ao mesmo fenómeno, à mesma intervenção correspondem diferentes expressões e designações, umas malditas, outras trágicas e proibidas, outras não só autorizadas como até mesmo encorajadas no léxico deste ou daquele grupo ideológico e/ou religioso (2). E inversamente, noutros casos, ao mesmo termo, ao mesmo adjectivo correspondem diferentes significados, numa polissémica amálgama de conflitos de interpretações que, finalmente, torna o diáloho e o entendimento quase, se não mesmo estéril.

Tomemos alguns exemplos correntes no caso da interrupção de gravidez: interromper, destrir, sacrificar, matar, assassinar, infanticídio, homicídio são oito diferentes expressões com que diferentes pessoas (consoante a sua posição ideológica, profissional, moral e religiosa) designam o mesmo fenómeno, o mesmo gesto, num intencional e premeditado crescendo de extensão e, sobretudo, de condenação valorativa - quantos de nós consideram que a interrupção de gravidez é um assassinato(3)?

Um segundo exemplo: em linguagem científica, ao produto da concepção correspondem diversas expressões técnicas consoante a fase do respectivo desenvolvimento: ovo, mórula, blastocito (cerca do 5º dia apoós fecundação), embrião (até à 8ª semana), feto (da 9ª semana até ao parto). Chamar a todos estes estádios, propositada e indiscriminadamente, nasciturno, bebé, ou criança (4), é tudo menos não intencional. Dizer que abortar às 8 semanas é assassinar um bebé ou uma criança não é a constatação de um acto médico, é um juízo valorativo, ideológica e moralmente assinado.

Esta, de resto, é uma velha falácia denunciada já há mais de cem anos por George Edward Moore (5) como o factual-value gap, isto é, o hiato factual-valorativo, que é como quem diz: de determinado facto não se pode inferir determinada valoração, isto é, o valor de um facto não está obrigatoriamente contido em si mesmo (6).

Miguel Oliveira da Silva*, Sete teses sobre o aborto, Editorial Caminho, Lisboa, 2005, pp.28/30

1) Jean-Pierre Changeux e Paul Ricoeur, La Nature et la Régle, Editions Odile Jacob, Paris, 1998, p. 192
2) A um leitor medianamente conhecedor e atento bastam escassíssimos minutos para, num mau texto de Bioética, reconhecer e identificar sem grande margem de erro o posicionamento ideológico do seu autor.
3)Francisco Sarsfield Cabral, insuspeito nesta matéria, escreveu "se a interrupção voluntária de gravidez fosse realmente encarada como um assassinato, a sociedade manifestaria em relação aos autores materiais e morais de aborto uma hostilidade que, manifestamente, não existe nem nunca existiu. in «Um argumento pelo "não"», Público, 13-6-98, p.7
4) «A questão central no próximo referendo sobre o aborto é a de saber se o embrião é ou não uma criança», escrevia em 1998, João César das Neves, «O debate do aborto», Diário de Notícias , 15-6-1998, p.25
5)George Edward Moore, Principia Ethica, Oxford, 1903
6)Por exemplo: matar e assassinar nem sempre é moralmente errado. A própria Igreja Católica assim o afirma com o princípio do duplo efeito , inicialmente pensado para justificar a chamada Guerra Santa e mais tarde adaptado para permitir resolver determinados casos de ética médica (por exemplo, interromper uma gravidez numa mulher com cancro do útero)

*Médico Obstretra-ginecologista, Professor da FMUL, onde rege as cadeiras de Ética Médica e Filosofia do Conhecimento. Pertence ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida

Vale tudo


Um desses movimentos que na realidade são secções regionais de movimentos (Alentejo pelo "Não") divulgou hoje uma nota em que garantia que o médico Bruno Cruz Maia (dos Médicos pela Escolha) teria defendido na quinta-feira, num debate em Ponte de Sôr, que, caso o Sim ganhasse, a solução para dar resposta à situação de filas de espera nos hospitais seria a prescrição do Citotec e/ou Ru486 para que as próprias mulheres os colocassem. A resposta do próprio médico e do Movimento Pela Escolha:


«Como é evidente, o que tem vindo a ser defendido pelo Movimento Médicos Pela Escolha - e foi defendido pelo dr. Bruno da Cruz Maia no referido debate - é absolutamente o oposto: a necessidade de acabar com a clandestinidade do aborto para que termine a venda de drogas como o Citotec no mercado negro, realidade que tem levado ao falecimento de várias mulheres por utilização indevida das mesmas sem qualquer tipo de acompanhamento médico.» O movimento considera que a acusação é « uma tentativa inqualificável mas perigosa de colocar em causa o bom nome, o brio profissional, a ética e a integridade de um óptimo profissional de Saúde que sempre lutou para que não mais seja necessário às mulheres recorrerem ao aborto num contexto de ausência de enquadramento médico.»


O dr. Bruno da Cruz Maia, que para lá desta campanha tem uma vida profissional e uma carreira, apresentou uma queixa judicial por difamação e um pedido de indemnização por danos morais e atentado ao bom nome de um cidadão contra os elementos Pedro Faria Paixão, Pedro Giões e Maria Teresa Chaves, mandatários do movimento Alentejo pelo Não , que subscrevem em conjunto um comunicado enviado hoje à imprensa.

Conhecendo o médico em questão nem hesito em distinguir um profissional rigoroso de gente que por má-fé, falta de escrúpulos ou pura falta de neurónios reescreve o que ouve.



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"Não", o deleite alheio


[...]Por exemplo, no caso de Torres Novas, o tribunal deixou passar sete meses entre o momento em que Baltazar Nunes declara que se for o pai biológico da criança pretende assumir a paternidade e a obtenção dos resultados dos imprescindíveis testes de paternidade. Note-se que duas semanas ou até menos são suficientes para se obter esses resultados. O que fez o tribunal durante esse tempo? Como é possível que gente cuja formação o Estado português custeia o melhor que pode, para a qual se seleccionam os melhores recursos humanos e materiais, tenha achado normal deixar passar sete meses para conseguir um documento que era susceptível de alterar completamente a vida daquela criança?!

O caso de Torres Novas acusa uma mudança terrível na sociedade portuguesa: terminou a fase em que simplesmente não se acreditava na justiça. Neste momento podemos estar a passar para o tempo em que desobedecer à justiça aparece aos cidadãos como a única saída moralmente aceitável . Mas não só. Podemos estar também perante um caso em que as forças da segurança não só não cumprem uma ordem dum tribunal como alguns responsáveis, embora não o verbalizem, esperam também que eles não o façam.

E os portugueses, que aturam com indiferença as decisões mais inexplicáveis dos seus dirigentes (onde se contam pessoas como Marcelo Rebelo de Sousa e António Guterres que, para deleite próprio, engendraram o referendo ao aborto ), os portugueses, esse povo que é sempre a decepção dos seus líderes, interessam-se, acompanham e acham que têm uma palavra a dizer em casos que envolvam os direitos das crianças. Querem discutir a sua justiça nesta matéria. Provavelmente porque do restante já desistiram.
Helena Matos, Público, hoje.

Pequeno léxico da IVG [1]


Alguns adeptos do "Não" no referendo têm bom coração. Apesar de preconceituosos, e embora não consigam assumir, sem sofismas, a não punição da interrupção da gravidez por iniciativa da mulher durante as primeiras dez semanas, afirmam serem pela despenalização. Esta tendência conta com defensores como Marcelo Rebelo de Sousa e o bispo de Viseu.

O que eles dizem é que votariam "Sim" no referendo se se tratasse de uma mera despenalização da mulher grávida, fosse qual fosse o estádio de gravidez em que abortasse, mas não podem concordar com uma suposta "liberalização". O Prof. Marcelo, o bispo de Viseu e outros que defendem esta posição não têm razão:

1. Fazendo um pouco de história, convém recordar que a primeira lei que despenalizou o aborto terapêutico, criminológico (em caso de gravidez resultante de crime sexual) e eugénico (em caso de doença ou malformação do feto) é de 1984.

À época, o Partido Comunista e a "arrependida" Zita Seabra queriam mais. Na linha "neo-realista" que já inspirara a dissertação de licenciatura de Cunhal, pretendiam que fosse consagrada na lei uma indicação económico-social. Assim se permitiria a interrupção da gravidez a mulheres que já tivessem um número elevado de filhos ou fossem pobres.

Na altura, a Igreja Católica e todos os "pro-lifers" combateram a despenalização do aborto com os mesmíssimos argumentos que agora usam. Não se admirem, portanto, de que soe a hipócrita a conversa segundo a qual acham que o método das indicações é bom, por reconhecer o valor da vida intra-uterina, mas o método dos prazos é mau por permitir à mulher que interrompa a gravidez, no primeiro estádio de gestação, por qualquer motivo.

Aliás, no plano das motivações, convém sublinhar que, já hoje, se admite o aborto eugénico, que tem por motivação a imperfeição biológica do feto.

Pequeno léxico da IVG [2]


2. Em 1984, as chamadas indicações que permitiram (e permitem) interromper a gravidez eram designadas como causas de "exclusão da ilicitude". Trocando por miúdos, o legislador sentiu-se obrigado a esclarecer os destinatários das normas de que, naquelas situações de interrupção voluntária da gravidez, o facto seria lícito.

Assim, a interrupção voluntária da gravidez passou a poder ser praticada, legalmente, nos hospitais por médicos devidamente autorizados. O que não impediu nem impede aqueles médicos que achem que o juramento de Hipócrates inibe de praticar o aborto possam deduzir objecção de consciência.

De qualquer modo, devido à pressão social, mesmo naquelas situações em que a interrupção da gravidez passou a ser permitida, a tendência do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi sempre muito restritiva.

Por isso se diz que a lei espanhola, semelhante à portuguesa, permite a interrupção voluntária da gravidez com uma muito maior latitude. Sucede que os espanhóis entendem que a continuidade de uma gravidez indesejada põe em causa a saúde psíquica da mãe e, por essa razão, acabam por admitir o aborto terapêutico sempre que a mulher grávida o pretende.

É claro que, se em Portugal se passasse o mesmo, não seria necessário as mulheres irem abortar para clínicas em Badajoz ou em Vigo. Bastaria invocarem a sua vontade para poderem abortar até à 12.ª semana — e não apenas até à 10.ª semana — ao abrigo do artigo 142.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

É interessante observar dois fenómenos relacionados com tudo isto:

Os adeptos do "Não" invocam a lei espanhola para defenderem que a lei portuguesa não deve ser alterada. Por inteiro, o discurso invoca a maior liberalidade de costumes de Zapatero e dos socialistas espanhóis para concluir que nem eles se atrevem a propor uma lei como a que resultaria da vitória do "Sim" no referendo português. Hipocrisia ao quadrado: os adeptos do "Não" sabem muito bem que na Espanha já vigora, na prática, um regime igual àquele que pode ser introduzido em Portugal no caso da vitória do "Sim".

Na Espanha, esse regime já vigora porque os espanhóis "fintaram" a lei, transformando o método das indicações num método dos prazos.

Mas seria isso que gostariam de ver os adeptos do "Não"? De modo nenhum. Eles pretendem que esse regime nunca vigore e, como em Portugal só uma alteração da lei permitirá aplicá-lo, então opõem-se a essa alteração da lei.

O segundo fenómeno, ainda mais estranho, consiste em alguns adeptos do "Sim" afirmarem que o referendo não é necessário, porque já hoje é possível abortar livremente durante as primeiras dez semanas, se a lei for bem interpretada. Não têm, no entanto, razão.

Não é nada claro que a interpretação dada pelos espanhóis seja, no plano jurídico, a melhor interpretação. Pelo contrário, até é difícil sustentar, com um mínimo de obediência à letra da lei (artigo 9.º do Código Civil) que a tal indicação terapêutica se verifica sempre que a mulher quiser interromper a gravidez.

Pequeno léxico da IVG [3]


3. Em 1995, quando entrou em vigor o novo código penal, o legislador deixou de falar em "exclusão da ilicitude", preferindo a expressão "interrupção da gravidez não punível". O legislador quis, manifestamente, utilizar uma expressão descomprometida, que não sugerisse que ele considera positiva ou não negativa a interrupção voluntária da gravidez. O que o legislador quis, afinal, foi comunicar aos destinatários das normas é que não se sentia legitimado para punir, em certas situações, o aborto, embora não o considerasse algo valioso ou neutral no plano axiológico.

Porém, nada disto significa que o aborto tenha passado a ser ilegal ou ilícito nos casos das indicações terapêutica, criminológica ou eugénica. Se fosse assim, qualquer "pro-lifer" poderia entrar num hospital e desatar aos tiros, em legítima defesa do feto, contra o médico que pretendesse praticar a interrupção voluntária da gravidez nos casos previstos no artigo 141.º do Código Penal.

É verdade que algo parecido já aconteceu nos EUA, mas nem lá, nem em Portugal algum tribunal teria a insensatez de concluir que o atirador havia actuado licitamente, em legítima defesa.

Por isso, mesmo depois de 1995, as situações de não punibilidade (que são explicadas por uma inexigibilidade de outra conduta à mulher grávida, como bem explicou o Tribunal Constitucional alemão) continuaram a ser situações de interrupção voluntária da gravidez legal ou lícita. Por conseguinte, estamos a falar de impunibilidade ou despenalização associadas a intervenções médicas legais ou lícitas.

Falar em liberalização neste contexto não tem sentido nenhum. Liberaliza-se o comércio, a compra e venda de uma substância ou o consumo de um produto. Não se liberaliza um tratamento médico. Acha, Prof. Marcelo, que faz sentido, fora de um contexto retórico e propagandístico, falar em liberalização de transplantes hepáticos ou de cirurgias cardíacas? Experimente usar essa linguagem e verá que alguns dos seus amigos recearão pela sua sanidade…

Pequeno léxico da IVG [4]


4. No referendo que se aproxima, o método das indicações passa a conjugar-se com o método dos prazos. Se o "Sim" prevalecer, continuará a ser admissível interromper voluntariamente a gravidez nos casos de indicação terapêutica (até ao fim da gravidez ou durante as primeiras 12 semanas, consoante as situações), criminológica (durante as primeiras 16 semanas) e eugénica (ao longo das primeiras 24 semanas), ao abrigo do artigo 142.º do Código Penal.

Mas passará a admitir-se também que a interrupção voluntária da gravidez durante as primeiras dez semanas, por iniciativa da mulher e independentemente do motivo.

Primeiro contra-argumento dos adeptos do "Não": a mulher pode matar o feto por dá cá aquela palha. Um cruzeiro nos mares do Sul, uma simples dieta, um capricho ou até o gosto de experimentar situações novas pode explicar a decisão abortiva. O mau gosto, ao serviço da exploração deste argumento, não tem limites. César das Neves esmerou-se, ao equiparar a interrupção da gravidez à compra de telemóveis.

É claro que quem tiver a percepção mínima do drama existencial que a mulher grávida enfrenta sabe que ela não interrompe a gravidez de ânimo leve. Quem mais ama o ser que traz dentro de si é a mulher e não alguns moralistas encartados que não resistem a encostar-se ao direito penal.

Além disso, a diferença entre o método das indicações e o método dos prazos não é o abismo que alguns superficiais adeptos do "Não" querem fazer crer.

Na interrupção voluntária da gravidez praticada durante as primeiras dez semanas, por iniciativa da mulher, também há, obviamente, um conflito entre a vida intra-uterina e a liberdade da própria mulher grávida. Em abstracto, poderá achar-se que a vida intra-uterina deveria valer mais. Contudo, não se pode esquecer que a vida intra-uterina não vale tanto como a vida de um ser humano já nascido. Até à 10.ª semana, o feto não sente dor e não tem projecto existencial algum. Tem valor sobretudo pelo que poderá vir a ser.

Por outro lado, é de sublinhar que algumas indicações consagradas em vários países têm, na prática, o mesmíssimo significado que o método dos prazos. Na Espanha, como já se viu, e na França (através da chamada indicação psicológica introduzida pela lei de Simone Weil), vale um princípio de interrupção voluntária da gravidez por iniciativa da mulher, durante o primeiro estádio de gravidez.

A experiência tem revelado que, na falta de um regime com esta latitude, seja qual for a sua configuração na letra da lei, o drama do aborto clandestino e o problema da saúde pública que ele representa não serão combatidos com eficácia.

Pequeno léxico da IVG [5]


5. Alguns argumentos periféricos são ainda utilizados pelos adeptos do "Não":

    • Perguntam eles qual é a diferença entre um feto com dez semanas e com dez semanas e um dia;
    • Protestam por o SNS investir na interrupção voluntária da gravidez;
    • Alguns acham estranho que o pai não tenha voto na decisão de interromper a gravidez.

Toda esta argumentação, de sentido essencialmente folclórico (salvo o devido respeito), é improcedente. O direito aspira à segurança jurídica. E a segurança jurídica precisa de prazos como nós de pão para a boca. Já observaram os desatentos adeptos do "Não" que o artigo 142º do Código Penal contempla já hoje vários prazos? Será que perceberam que, no caso de violação, se pode interromper a gravidez até à 16ª semana e não um dia mais tarde? Compreenderam também que, no caso de doença grave ou malformação congénita do feto, se pode interromper a gravidez durante as primeiras 24 semanas e nem um dia depois?

O direito penal, como todo o direito, não pode criar a incerteza constante. Se a interrupção voluntária da gravidez é autorizada, tem de se esclarecer, de forma inequívoca, até quando é autorizada.

O marco das dez semanas garante que ainda não começou a actividade cerebral superior e não há um ser capaz de experimentar a dor.

O argumento do SNS é ilegítimo quando recordado pelos adeptos do "Não". Se eles o valorizassem, deveriam defender então o "Sim" com a única condição de a interrupção voluntária da gravidez ser praticada à custa dos interessados. Mas não é isso que eles dizem defender. Aquilo que alegadamente os move é a vida intra-uterina.

Além disso, o aborto clandestino tem custos económicos e sociais que ultrapassam, de longe, aqueles que serão trazidos pela vitória do "Sim" no referendo. Até no plano da natalidade, as consequências do aborto clandestino são verdadeiramente catastróficas, provocando, com frequência, a esterilidade feminina.

Quanto à audição do pai, recomendo a leitura de um acórdão do Supremo Tribunal Federal dos EUA (Casey v. Estado da Pensilvânia). Este acórdão concluiu, como não podia deixar de ser, que a mulher grávida é a única que pode decidir sobre a continuação da gravidez. Os adeptos do "Não" assemelham-se, neste particular aspecto, aos membros de certas tribos, que ainda hoje berram e simulam dor enquanto as mulheres têm os filhos. Será difícil compreender que o feto está dentro da mulher grávida e essa tem uma relação íntima e inigualável com o ser em gestação? E não é verdade que também já é hoje a mulher que se decide pela interrupção voluntária da gravidez nos casos previstos no artigo 142º do Código Penal?


Portanto, caros amigos adeptos do "Não", deixo aqui um apelo:

    Vamos ser humanos e não inventar desculpas para continuar a defender a punição da mulher grávida. Vamos defender a vida e a integridade da mulher grávida, não a condenando ao flagelo do aborto clandestino. Vamos compreender que o direito penal não deve intervir quando não serve, efectivamente, para defender bens jurídicos. Vamos compreender que o SNS não é uma bandeira moral e serve para minorar o sofrimento, incluindo o sofrimento de toxicodependentes, de alcoólicos ou de fumadores contumazes. Vamos votar "Sim" e vamos defender a sério a vida intra-uterina, dedicando-nos a causas sociais, protegendo crianças abandonadas, ensinando as práticas contraceptivas e lutando contra as desigualdades sociais.
Menos retórica e mais acção — é o que se pede!

Só pode piorar


De 1998 a 2004 foram registados pelas autoridades policiais, em apenas 7 Distritos, 223 crimes de aborto. Cada um destes crimes de aborto pode abranger uma ou várias pessoas, que serão sempre investigadas. No mesmo período tiveram lugar 34 processos findos, com 43 arguidos e 18 condenações. Os números reais de processos, arguídos e condenações são superiores, porque não estão contabilizados os muitos processos sujeitos a recursos e porque os distritos em que há três ou menos processos não constam das estatística.
Dados do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça


Em apenas 4 anos: 223 investigações, 34 processos terminados, 43 arguídos e 18 condenações. Tudo depois do último referendo e muito pior do que antes do referendo. Sobretudo no que diz respeito às condenações de mulheres que abortaram. Quando os restantes processos forem incluídos os números serão muito superiores. Ou seja, depois da vitória do "não", juízes, PJ e Ministério Público sentiram a pressão política da reafirmação daquela lei feita através do voto democrático. Por que raio acha alguém que depois de uma segunda vitória do "não" poderia acontecer exactamente o contrário? Uma segunda vitória do "não" reforçaria, como é evidente, ainda mais esta lei. E deixaria ainda menos espaço a magistrados e polícias para fingirem que ela não existe. Nem o argumento da defesa da hipocrisia institucionalizada funciona.

Filosofando sobre as dez semanas


Nos jornais de quinta-feira, vieram a lume notícias sobre um grupo de vinte e tal filósofos, apoiantes do Não, que anunciaram o envio a José Sócrates de uma carta sobre a fundamento da pergunta que se vai referendar a 11 de Fevereiro. "Porquê dez e não 20 ou 30 semanas?", questionam os pensadores, que logo acrescentam ser "discriminatória uma lei que criminaliza o acto de atentar contra a vida de um ser humano de mais de 70 dias e que ao mesmo tempo liberaliza o acto de atentar contra a vida de um ser humano de menos de 70 dias".
Enquanto argumentação, convenhamos, não é brilhante. De filósofos esperaríamos um discurso mais elevado – com citações de Santo Agostinho, reflexões sobre a ética da responsabilidade ou, no mínimo, uma abordagem qualquer à ideia de sopro divino na ontogénese humana – e não esta pobreza franciscana que não se distingue do ruído demagógico dos restantes "partidários da vida".
Mas quem serão estes filósofos? Grande mistério. O Jornal de Notícias falava em professores das universidades do Minho, Católica, do Porto, Nova de Lisboa e Évora, mas o único que deu a cara pelo grupo foi Michel Renaud, da Universidade Nova de Lisboa. Entre outras coisas, Renaud defendeu que "ninguém deve ser castigado pela prática de aborto", embora considere que aquele acto representa "um retrocesso ético, uma vez que permitir o aborto significa que este não é considerado pela lei um desvalor" (in Diário de Notícias).
O problema é que Renaud quis concretizar visualmente o objecto da discussão e logo se tornou cúmplice activo da enésima cedência do Não à mais rasteira demagogia. Enquanto mostrava um modelo em plástico, encolhido na posição fetal, com 14 gramas e seis centímetros, garantiu que "é este o peso e tamanho do feto de dez semanas, já com nariz, boca e que pisca os olhos" (querem coisa mais humana do que um piscar de olhos?). Contactado pelo Público, o professor Miguel Correia, responsável pelo departamento de Embriologia da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, desmascarou o embuste: aquele modelo com os membros inferiores e superiores desenvolvidos, além da boca e dos olhos (os tais que piscam) perfeitamente delineados, corresponde à "imagem pictórica de um feto no terceiro trimestre de gravidez". Ou seja, com 24 semanas, em vez de dez.
Bem sei que não se pede aos filósofos o rigor científico que se exige aos biólogos, mas há exageros que saltam demasiado à vista e que só ficam mal a alguém que até é consultor do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

Negacionismo


Menti quando disse que não tinha aprendido nada desde o começo da campanha. De início pensava que "Não" se referia a uma resposta, mas percebi entretanto que remete para uma atitude.

Do baptismo


Neste combate entre o "Zézinho" (nome fictício para o embrião/feto que é abortado) e a "Ana" (nome fictício da menina que morreu em consequência de uma tentativa de aborto clandestino), sinceramente teria preferido abandonar o recinto antes do começo do primeiro assalto. Mas como vamos já no segundo round, fico. Partindo da premissa de que não podemos saber quantos Zézinhos a Ana valia - a fazer este cálculo, sugiro que evite a expertise da Goldman Sachs International e que se limite a avançar um número -, chamo a mim a tarefa de discutir o gosto na escolha dos nomes fictícios. Não o faço por capricho, apesar de o capricho ser uma grande força motriz e até motivo para se abortar, como Mário Pinto - meu leitmotif até 10 de Fevereiro - atempadamente nos divulgou.

Eis que discuto, finalmente, uma questão de gosto, depois de ter já reflectido sobre a questão política, a questão de consciência e a questão absurda. Avancemos. De um lado, "Ana", um nome curto e com a beleza da simetria. Do outro lado, "Zézinho", um diminutivo ao quadrado, portuguesinho, condescendente e que por um estrangeiro em ingénua interpretação fonética daria um monstruoso "zÉzinho", uma sonoridade esdrúxula que parece morrer de vergonha à segunda sílaba e de pouco préstimo na arte de versejar (ver porém o magnífico Construção, de Chico Buarque, aproveitando para daí retirar alguns ensinamentos sobre como chegar ao coração das pessoas sem espatifar a estética). É pois vital para o "Não" que o "Zézinho" mude de nome. E é em salutar camaradagem que aqui deixo a lista de nomes portugueses autorizados, a que devem recorrer se forem vítimas de um novo pico de desinspiração.

Numa coisa o "Não" foi inteligente e é da mais elementar justiça frisá-lo. Ao pegar num nome masculino livraram-se do azar de inadvertidamente se acertar no nome próprio verdadeiro da "Ana" . Isto teria sido uma mini-catástrofe para a campanha do "Não". Já a Fernanda Câncio, com aquele seu estilo supostamente "espalha-brasas" que tanto perturba um fino observador da realidade nacional, somos obrigados a concluir que só pode ter beneficiado de intervenção divina; é que por maior que fosse a sua inépcia jamais poderia ter cometido a argolada inversa quando inventou o nome fictício da menina que morreu. Para quem ainda não percebeu, recordo que os embriões não têm um nome próprio verdadeiro e é escusado folhear em desespero de causa listas menos restritivas do que a nossa . Habituem-se, é a vida vidinha.

Legalizar SIM


O último "argumentário" do Não insiste em que a pergunta do referendo são, de facto, duas perguntas e que só concordam com a primeira delas, mas não podem aceitar a segunda. Marcelo Rebelo de Sousa atreve-se até a dizer que é uma " pergunta mentirosa" (directamente acusando governo, tribunal constitucional e presidente da república). Que quer ele dizer com isto? Pretende insinuar que ao escolher a despenalização as pessoas serão enganadas pois o que terão é a "liberalização". Ora, D. Policarpo expressou-se melhor e nem precisou de dividir a pergunta em duas. Disse ele que despenalizar significa o mesmo que legalizar. É isso mesmo.

A primeira parte da pergunta refere-se apenas à despenalização das mulheres; a segunda parte o que faz é legalizar os médicos e enfermeiros habilitados a executar uma IVG (doutra forma a lei poderia mandar prendê-los). E o que é um estabelecimento de saúde legalmente autorizado? É um consultório onde haja anestésicos legalmente adquiridos e pessoal médico e de enfermagem legalmente diplomado, capaz de garantir a segurança e a saúde da mulher.

O que pretendem aqueles que vão votar Sim é que se legalize a IVG, mediante três condições expressas:
1 – eliminação da pena de prisão (só) até às 10 semanas;
2 – liberdade de escolha da mulher (que deixa de estar na tutela do estado ou dos médicos)
3 – possibilidade de fazer uma IVG em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.

Se a terceira condição não estivesse contida na pergunta do referendo – como pretendem os do Não – isso significaria que se manteria o aborto clandestino, nas seguintes condições:
1 - abortos feitos em caves, anexos e apartamentos;
2 - sem garantia da habilitação técnica dos executantes;
3 - por preços especulativos;
4 - sem declaração de despesas, nem pagamentos de impostos;
3 - uma vez que os médicos/enfermeiros continuariam a ser criminalizados.

Sem a ressalva final da pergunta do referendo, apenas as mulheres, as coitadas, seriam perdoadas; os médicos, esses, como manda a ordem dos médicos, teriam que obedecer ao vetusto juramento de Hipócrates, ou a lei poderia mandá-los para a cadeia. E as mulheres, envergonhadas, continuariam a ter de perguntar às amigas onde era o vão de escada mais próximo...

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Direita Liberal - pelo Sim


  • Quem tiver do Estado uma visão liberal (Estado - Mínimo), deve, antes de mais, fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que esse mesmo Estado não persiga criminalmente quem toma uma decisão baseada nas suas convicções, sentimentos éticos, religiosos ou morais -o resto vem depois;
  • Agora só se irá votar a despenalização da IVG até às 10 semanas - os argumentos subsequentes são prognoses, palpites e sensações;
  • Quer no "Sim" quer no "Não" há gente com agenda ideológica, social, pessoal, partidária, religiosa e etc. - é-me indiferente;
  • Por mim, decidi votar "Sim" porque não quero que as autoridades policiais e judiciais deste país continuem a poder tratar a mulher que decide abortar no início da sua gravidez como uma criminosa.

Homo economicus


«Contribuir com os meus impostos para ajudar a financiar clínicas de aborto?» É essa a questão que o movimento «Não Obrigada» -- assim mesmo, sem vírgula -- espalhou em outdoors pelo país fora. Uma pessoa lê, interroga-se, mas não entende. Tanto quanto sei, não houve qualquer alteração nos termos da pergunta e por isso votarei Sim à despenalização da IVG até às dez semanas gravidez e não aos usos alternativos de bens escassos, como diriam Samuelson e Nordhaus. Ponto. O resto é ruído. Aliás, seria interessante lembrar ao «Não Obrigada» precisamente o contrário: em todos estes anos, de facto, os seus impostos têm servido para financiar clínicas aborto. Chamam-se SCUTS. E vão dar a Espanha.

Bons corações II


Uma adolescente de 14 anos entra no Hospital de Santa Maria com uma overdose de Citotec. Morreu. Como se comenta esta história no blogue do não? «A mãe limitou-se a arriscar um suicídio e teve êxito» . Tinha 14 anos. Mas perda da vida desta criança não os comove.

Bons corações I


Maria Luísa tinha 41 anos e é paraplégica desde os 12. A pílula falhou e engravidou. Chegou ao Hospital de Abrantes para fazer um aborto. Tratada como uma assassina, explicaram-lhe: "Aqui vem-se para parir, não se vem para abortar" Foi a Badajoz e em cinco minutos abortou. Dulce é de classe média. Se fosse pobre, esta paraplégica seria obrigada a ter um filho aos 41 anos ou a correr riscos graves por estas almas caridosas que nesta campanha choram pela vida.

Sobre a vida humana


Especialista em procriação medicamente assistida, Mário de Sousa é responsável pelo nascimento de centenas de filhos de casais inférteis. Mas vai votar Sim no referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Explica porquê.

O modelo espanhol e a má fé de Marcelo


O vídeo de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o que designa como modelo espanhol é um claro exemplo de má fé. Marcelo baralha o imbaralhável para colocar as cartas a seu jeito. Mas faz batota. O casamento entre homossexuais é uma coisa. A adopção por casais homossexuais é outra. E o aborto então é absolutamente outra. Quanto ao progressismo nem vale a pena falar.

O que aconteceu de diferente entre Portugal e Espanha foi o facto de, em Portugal, ter vingado o espírito Marcelo Rebelo de Sousa. Ou seja as pessoas, no caso as mulheres, podem abortar mas o seu pedido tem de ser analisado, ponderado e decidido por outras pessoas que avaliam a fundamentação do seu pedido. Um dos nossos erros desde o anterior referendo foi não termos discutido os pareceres das comissões de ética.

Caso o tivéssemos feito perceberíamos que de hospital para hospital os critérios variam. Mantendo-se apenas a arrogância. Recordo um caso em que uma comissão de ética recusou a uma adolescente uma interrupção de gravidez em que o pai da criança era também o pai da menor. Para a comissão de ética a menor não corria risco na sua saúde e não fora provado qe ela tinha sido violada pelo pai (a menor tinha mais ou menos 14 anos!). Por outro lado estas comissões não têm quaisquer problemas em aprovar interrupções de gravidez às vinte e mais semanas de fetos em que se detectem deficiências. Note-se que muitas destas deficiências são absolutamente compatíveis com a vida. Desde que a comissão aprove não se coloca qualquer problema ético.

Para Marcelo Rebelo de Sousa e quejandos o problema não é o feto ou o embrião. O problema são as mulheres. O que está em causa é a profundíssima misoginia de Marcelo Rebelo de Sousa. Este é o discurso de quem não acredita que as mulheres possam ter livre arbítrio. E isto transposto no discurso médico tem levado também em alguns casos a que os médicos não percebam ou estranhem a opção daquelas mulheres que, uma vez informadas que o feto tem uma deficiência, resolvem não abortar. Para esta gente o problema não é o que as mulheres escolhem. O problema é que elas possam escolher sem o seu aval, parecer, conselho, pancadinha no ombro...

A grande diferença entre Portugal e Espanha não é de facto a a lei mas sim o que se entende como necessário para aceitar uma decisão das mulheres. E isto nada tem a ver com progressismo. Convém ainda esclarecer que neste momento em Espanha muitos dos abortos são feitos por mulheres provenientes da América do Sul, zona do mundo onde o que Marcelo designa como progressismo progrida e o acesso aos métodos de planeamento familiar é muito problemático. Na Nicarágua que referendou o aborto e na sequênia desse referendo proibiu toda e qualquer forma de aborto mesmo o terapêutico lêem-se argumentos a propósito do aborto terapêutico que vemos transpostos em Portugal para a problemática do "a pedido" (vão, por exemplo a
El Nuevo Diario). Por mais voltas que se dê deparamos inevitavelmente nesta questão com a concepção das mulheres como pessoas que não podem decidir sozinhas.

Vão desculpar-me o longo post e a conclusão mas cada vez me convenço mais que se o aborto fosse uma questão de homens há muito tempo que o assunto estava resolvido. Alguém os está a imaginar à espera que uma comissão decidisse se eles tinham ou não de continuar grávidos?!


Helena Matos

A Lei Orfã


Segundo o jornal Sol, só o CDS e um único dos movimentos do Não defendem a pena actualmente prevista para o aborto. Bom era que os restantes movimentos nos explicassem porque insistem em manter uma lei que não querem ver aplicada. Para ridicularizar a legislação nacional? Ou para manter como chantagem moral sobre as mulheres que abortam?

A lei, como existe e é aplicada agora, é um monumento à arbitrariedade: de vez em quando, por conveniência política, capricho ou acaso, alguém vai a julgamento. É o direito em regime de roleta-russa, com uma bala pela qual ninguém assume a responsabilidade.

(parcialmente postado antes no Womenage A Trois)

Mais sins do Não


Num não há sempre>um sim escondido. Quando negamos qualquer coisa, afirmamos ao mesmo tempo outra que se encontra escondida, por vezes a custo, atrás dessa negação. Partindo deste princípio, quem votar "não" no próximo dia 11 de Fevereiro estará na realidade a responder "sim" às seguintes perguntas:

Concorda com que em Portugal a saúde pública seja negada às mulheres que não têm recursos para fazer um aborto em segurança?

Concorda com que uma mulher seja forçada a fazer exames ginecológicos no âmbito de uma investigação da polícia judiciária à prática de aborto clandestino?

Concorda com que médicos, enfermeiros ou outras pessoas que possam ter auxiliado uma mulher a fazer um aborto clandestino sejam denunciados à polícia judiciária pelos seus concidadãos?

Breaking News: feitiços, negócios, caprichos, vinganças e crueldades explicam menos de 2.2% dos abortos


25.5% Por querer adiar a maternidade
21.3% Por não poder sustentar a criança
14.1% Por não ter uma relação estável ou o parceiro não querer a criança
12.2% Por ser muito nova (os pais ou outros opõem-se à gravidez)
10.8% Por não querer comprometer os estudos ou o trabalho
7.9% Por não querer mais filhos
3.3% Por haver riscos para o embrião/feto
2.8% Por haver riscos para a grávida
2.1% Outras


Os dados do prestigiado GuttMacher Institute mostram que os cinco motivos para se abortar avançados pelo Professor Mário Pinto da prestigiada Universidade Católica Portuguesa explicam no máximo 2.1 % dos abortos. Rui Pinto publicou as suas razões numa coluna de opinião do jornal Público.

Votar ou não votar é uma questão absurda [tema]


...quando a mudança do statu quo passa a depender também da satisfação de um quórum de participação, os que se opõem a essa mudança ficam a dispor de uma estratégia adicional: abdicar de mobilizar os seus eleitores ou mesmo apelar à sua abstenção. Pedro Magalhães (PM), crónica recente no Público

Já tive oportunidade de trocar umas ideias com PM sobre esta previsão. Retomando: excluindo o futebol, o último trauma colectivo deste país (para uma metade, em todo o caso) foi a derrota inesperada do "Sim" em 1998 por causa - é a tese consensual - da falta de mobilização dos seus apoiantes, isto é, daqueles que queriam a mudança. Falou-se das campanhas feitas pelos padres e que o dia esteve agradável para se ir à praia, o que terá abalado mais as convicções menos fortes dos apoiantes do "Sim". Na altura vivia em Paris, creio que o céu esteve enublado sobre o Parc Montsouris e certeza só tenho uma: na manhã seguinte, olharam-me com um misto de desprezo e de comiseração que, apesar do hábito, estranhei. Em suma, a ser verdade o que então se comentou, a previsão teórica que PM comenta fica completamente terraplenada .

PM argumentou depois que talvez seja necessário um período de aprendizagem para se pôr em acção esta teoria e que em 1998 ainda não havia know-how para sabotar um referendo. Agora, como se percebe pela pública discussão, já há.

O caminho parece então ser óbvio: os apoiantes do "Não" devem abdicar de votar. O "Sim" ganha com números husseinianos, uns 99.9999% (César das Neves e Mário Pinto são os únicos a sofrer sanções disciplinares a 12 de Fevereiro por terem furado o plano) mas o resultado não é vinculativo. O plano parece perfeito. (In)Felizmente para uns, há aqui dois problemas.

O primeiro resulta da conjuntura actual e da experiência passada recente: o PS está no governo e com maioria absoluta. Não se sabe que tipo de pressão política uma vitória não vinculativa mas expressiva do "Sim" geraria. O que sabemos é que o PS é maioritariamente pela mudança da lei e que um resultado não vinculativo em 1998 não impediu a realização do mesmo referendo em 2007. Eu, se estivesse do lado do "Não" , ficaria assustado.

O segundo problema resulta, a meu ver, de uma certa liberdade na aplicação de modelos que são pouco robustos. Ora, a regra que PM descreve é contranatura ao nível individual, sobretudo para uma matéria delicada como a que está em discussão. Por outras palavras, uma pessoa não tem um lampejo de estratego político e instintivamente resolve não votar. A regra só é lógica se olharmos para as pessoas como peões dispostos num tabuleiro e, lá do alto e com voz treinada, lhes dissermos como se devem comportar. Apesar de esta imagem fortuitamente aludir a certas práticas dominicais, a verdade é que pela quantidade de movimentos "Não", interesses partidários e diferentes sensibilidades dentro do clero, não há um cérebro que esteja a orquestrar uma resposta assente na renúncia colectiva ao voto. Nem haverá até 11 de Fevereiro, porque a bola de neve já começou a rolar.

Por estas duas razões, é muito perigoso para o "Não" adoptar a táctica da renúncia colectiva. E tendo em conta os resultados das últimas sondagens, que dão a vitória ao "Sim", ao "Não" só resta marcar presença.

Subir em linha? [variação]


Pedro Magalhães usou a imagem de um jogo de futebol para explicar a regra da renúncia colectiva ao voto e eu aproveito também para explanar algum futebolês. No Mundial de 1982, César Menotti, o então treinador da Argentina, queixou-se da táctica do adversário no jogo inaugural, que a Bélgica acabaria por ganhar com um golo aos 62' apontado por Erwin Vandenbergh, após assistência de Frank Vercauteren, como por certo estarão recordados. Os Belgas subiam em linha e deixavam constantemente os avançados argentinos fora-de-jogo. Para Menotti aquilo era anti-jogo. Mas os Belgas eram mestres naquela táctica e só assim ela funciona, pois se não for bem executada é o descalabro; talvez por isso, a subida em linha acabaria por se tornar menos popular. Ora, se 4 ou 5 defesas por vezes não se conseguem organizar, imagine-se o risco quando são 4 ou 5 milhões (o arredondamento inflacionado é para efeitos de estilo).

A Bélgica nunca mais fez nada de jeito no futebol e a Argentina, na oportunidade seguinte que foi México 86, ganhou. Isto serve de estímulo ao "Sim", não me perguntem por que motivo, é coisa visceral. Por outro lado, apesar de contarmos com o blogger homónimo, recordar que não temos entre nós um Diego Maradona talvez nos sirva de aviso.

[variação]

Publicidade institucional


Hoje, dia 27 de Janeiro, às 20h, jantar de campanha dos Jovens pelo Sim, na Voz do Operário, em Lisboa. Apresentação de filmes e sketches de artistas pelo Sim.